domingo, 27 de setembro de 2020

Depois do Casamento (Sorry, tem spoiler)

 




O que você acharia de, ao perder sua mãe, ganhar outra? E o que acharia de, ao perder esta, recuperar a primeira? Essa roda viva é o que vive Grace (Abby Quinn), no belíssimo After the Wedding (do diretor Bart Freundlich, 2019), remake de Efter Brylluppet, filme dinamarquês, de Susanne Bier (2006), sobre o qual escrevi uma postagem na época do lançamento (leia-a clicando aqui). O título é homônimo, mas a refilmagem adaptou alguns aspectos da história inicial, mantendo a essência dos personagens e da trama. 

A história começa na Índia, com a personagem Isabel, maravilhosamente interpretada por Michelle Williams, quem administra um orfanato em dificuldades financeiras. Ao receber uma proposta de ajuda econômica da empresária estadunidense Theresa (interpretada por Juliane Moore), precisa viajar a Nova Iorque para assinar papéis, e é quando a nossa história encontra o seu conflito.

Theresa condiciona Isabel a permanecer em Nova Iorque por mais tempo que o necessário para a assinatura dos papéis da doação, e a convida para o casamento da sua jovem filha, Grace. Durante a festa, Isabel descobre que o marido de Theresa é Oscar, seu amor do passado e para tornar um pouquinho mais dramáticas as coisas, Grace revela aos convidados (e aos espectadores) que Theresa é sua mãe adotiva. Nesse momento, Isabel se dá conta de que foi pega em uma armadilha do destino: a filha que tivera aos 18 anos, e que teria sido supostamente entregue em adoção por Oscar, na verdade havia sido criada por ele e acabava de se casar, ali, diante de seus olhos.

Isabel descobre a traição de Oscar e decide pedir-lhe respostas. Nós, espectadores, tal qual na versão dinamarquesa, nos damos conta de que Theresa teria reunido os dois, na tentativa de juntar as pontas da vida de Grace e também de preparar o terreno para quando ela morresse. Descobrimos, então, que Theresa tem uma doença em estágio terminal e que tanto Grace quantos os pequenos gêmeos de 8 anos precisam de uma mãe substituta. O cuidado e o amor de Theresa também se voltam para quem estará ao lado de Oscar, "jogando-o" nos braços de Isabel.

Não sou muito fã de ficar dando sinopses da história, me interessa analisar situações, entender conexões, fruir do que o filme me proporciona. Depois do casamento de Freundlich tem leveza, mas também intensidades. É uma proposta bem diferente do estilo do homônimo dinamarquês, mas no remake estadunidense encontramos a história sensível e bem contada, pronta para a nossa sessão.

As mães se substituem numa dança harmoniosa e triste: quando uma sai de cena, entra a outra. A filha sempre terá o amparo e o amor de uma delas, apesar de as duas coexistirem enquanto dura o filme, em todas as cenas em que negociam a permanência de Isabel em Nova Iorque. Isabel, mãe de dezenas de órfãos indianos, talvez tentasse encobrir a mãe ferida que precisou deixar a filha aos cuidados de outros, quando ainda era uma adolescente. Ela não tinha estrutura para cuidar de uma criança quando teve Grace. Mas agora a recupera, vinte e um anos depois, quando Grace já é uma mulher adulta, mas sabemos que o ser humano nunca é suficientemente maduro para abrir mão do amor materno...

Impossível não se encantar pelo belo figurino tão ao gosto das cores das especiarias indianas - do açafrão à canela -, com seus tons fortes e suas cores quentes e vibrantes. Impossível não perceber a maneira delicada como a história é contada.



Vejo que fiz uma análise muito mais densa do filme dinamarquês, mas hoje me sinto um pouco cansada, talvez eu volte depois para um post scriptum

O que posso dizer para finalizar, é que as coisas que realmente importam, os sentimentos fundamentais na vida do ser humano, esses estão presentes na história contada por Freundlich. Agradeço a delicadeza e a intensidade. 


Publicado originalmente no blog Torre de Capim Lilás, em 12/09/2020: http://torredecapimlilas.blogspot.com/2020/09/depois-do-casamento-sorry-tem-spoiler.html

Arnaud fait son 2ème film

                                                    


 

Com o título, no Brasil, de "Amor, Paris, Cinema", o diretor Arnaud Viard nos traz uma delícia de longa-metragem em que ele mesmo protagoniza uma história metalinguística: um diretor tenta escrever e dirigir o seu segundo longa. A história é leve e divertida, mas também conta com as pegadas melancólica, crítica, psicanalítica e poética do bom cinema francês. Ao lado de uma lindíssima Irène Jacob, Viard nos conta uma história criativa e que poderia ser vivida por qualquer ser humano que está perseguindo um sonho, como eu ou você.  

Arnaud é um homem de 45 anos que escreve roteiros, atua e dirige. Como ele mesmo se apresenta, "é diretor e ator". Atua para sobreviver, mas sua grande paixão é dirigir. Começa sua narrativa contando do bloqueio que teve ao realizar seu primeiro filme, em 2004. Se vamos assistir a uma história autobiográfica, não poderemos afirmar. Mas a criatividade artística e a potência sexual são dois motes para o deslanchar do nosso filme.

Arnaud tem dois sonhos: ter um filho e fazer o seu segundo filme. Como casal de meia idade, Chloe e Arnaud já têm alguma dificuldade para engravidar, o que termina por angustiá-los. Então começa a metanoia de Arnaud: separa-se de Chloe, começa a dar aulas num workshop de cinema, conhece Gabrielle, uma mulher muito mais jovem que ele. A tentativa de reconstruir a vida, de encontrar alguma vitalidade em meio aos desencontros - não havia conseguido que o produtor aceitasse o seu roteiro; não havia conseguido ter um filho com a mulher que amava -, o levam a se reinventar em meio à destruição dos sonhos. Sente-se feliz com a jovem Gabrielle, gosta das aulas e dos alunos, diverte-se bebendo da juventude que o rodeia. Mas sentimos que nem tudo está ali.

                                      Louise Coldefy e Arnaud Viard, em cena de Arnaud fait son 2ème film
 

As idas às sessões com o psicanlaista e as visitas à mãe hospitalizada começam a descortinar o íntimo de Arnaud. Nas cenas em que vai no trem - momento da espera, momento de instrospecção -, a ideia de perder a mãe e a busca pelo lugar de pai vão se somando no retrato que o filme constrói de nosso protagonista. Há cenas lindíssimas, como o diálogo tecido com a mãe, no trem que o leva de volta a Paris, depois de visitá-la no hospital. O diálogo é parte da despedida, antecipação do que está por vir. A mãe está em estágio terminal, sente dores, mas não quer dar trabalho aos filhos. Igualmente me encantou a cena da festa dada pelos alunos, em que Arnaud dança alegremente enquanto a música alegre é substituída pelo "Requiem in Paradisum", de Gabriel Fauré, e, lindamente, migramos do êxtase da festa para o êxtase da morte, momentos em que o sagrado toca os corpos humanos, momentos sublimes em que o amor ágape e a morte encontram morada. Arnaud recebe o telefonema que traz a notícia da morte da mãe, despede-se de Gabrielle, sai da festa e vai ao encontro de Chloe. Eros guia nossos amantes, nada mais erótico e íntimo que amar-se diante da morte da mãe. Arnaud pergunta-se e pergunta a Chloe por que eles não deram certo. Diante da perda da mãe, ele busca o consolo nos braços amorosos de Chloe, e, magicamente, nesse momento, concebem um filho. Fim e começo se enlaçam, um símbolo de que a vida é cíclica e infinita.

Irène Jacob, em cena de "Arnaud fait son 2ème film" (2015)

Arnaud finalmente consegue um produtor para o seu segundo filme e, justamente quando realiza esse sonho, Chloe o procura revelando que ele é pai, que ela está indo parir. A metáfora do nascimento, que tantas vezes é usada na arte, associa-se na concepção de uma obra e de um filho. Dois projetos que já se davam por fracassados, que haviam sido abandonados por Arnaud. Chamado pelo telefone, é convocado a assumir a realização do seu segundo filme e também o nascimento do seu filho. Sonhos que talvez já fossem inesperados. Sonhos que ele talvez já estivesse disposto a esquecer. Mas a Vida às vezes é assim, não é mesmo? Às vezes os sonhos correm atrás da gente. 💓


Irène Jacob foi um lindo reencontro, para mim. Meu primeiro momento com a senhorita Jacob foi nos clássicos "A Dupla Vida de Veronike" e "Rouge", ambos de Kieslowski. Reencontro-a madura, igualmente bela, com a mesma força da juventude. Arnaud Viard foi uma grata surpresa, já quero ver "Clara et moi", o seu primeiro filme. É muito bom ver diretores que entram na pele de seus protagonistas, como o fizeram Woody Allen, Nanni Moretti, entre outros. Inclusive, é muito boa a crítica escrita por Rodrigo Torres sobre "Amor, Cinema, Paris". Ele afirma que  o formato de "Arnaud fait son 2ème film" estaria baseado em "Caro Diario", do diretor italiano. "Caro Diario" é um filme de que gosto muito (amo as idas pelas ruas de Roma montado em uma vespa, eu me senti e me sentei na garupa de Moretti...), foi meu primeiro encontro com Moretti, no comecinho dos anos 2000, seguido pelo belíssimo "O Quarto do Filho" (chorei baldes...), ambos imperdíveis. 


Publicado no blog Torre de Capim Lilás: http://torredecapimlilas.blogspot.com/2020/09/arnaud-fait-son-2eme-film.html. 

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Depois do casamento



Ontem vi um filme lindíssimo - Efter Brylluppet /After the Wedding /Después de la boda / Depois do casamento, também em exibicáo no Brasil. A diretora, Susanne Bier, realiza um boníssimo trabalho de roteiro e direção. É desses filmes bem construídos, de fotografia perfeita e elenco primoroso, e foi indicado ao Oscar 2007 como Melhor filme estrangeiro.

Para os amantes da sétima arte, torna-se clara a vinculação da diretora e sua obra ao Dogma 95 movimento idealizado pelo também dinamarquês Lars Von Trier e outros cineastas - já quando se começa a ver o filme. A maneira como conduz sua câmera, com closes tão próximos a rostos e olhos, as temáticas fortes e a tendência a tratar, através do cinema, a realidade interior dos personagens e seres humanos em geral vinculam sua obra a trabalhos como os de seus colegas cineastas dinamarqueses e de outros países que se espalharam no Dogma 95 para criar uma nova linguagem cinematogáfica.

Depois do casamento fala de reencontrar coisas perdidas: sentimentos, lugares, pessoas. Jacob, um quase eremita que vive na India (esse lugar tão emblemático quando o tema são as buscas de qualquer tipo, e também um lugar perfeito para perder-se), volta a seu país, Dinamarca, tentando conseguir fundos para apoiar o orfanato que administra. O possível doador é um milionário que lhe colocará frente a seu passado: Jorgen é o marido de Helene, antiga namorada com quem Jacob teve uma filha, Anna. A história começa a ganhar intensidade quando Jacob coloca-se a par dos fatos e descobre que Anna é sua filha, e isso se dá da maneira mais dramática, durante a festa de casamento da jovem (aqui se estabelecem vínculos com filmes como Festa de família, de Thomas Vinterberg - grande realizador do Dogma 95 - e de Após o tremor, de Stina Werenfels, nos quais algumas verdades são descortinadas durante festas de família e/ou outras reuniões íntimas).

Há algumas características já comuns a realizações dinamarquesas, como o gosto por temas intimistas, tais como as relações em família, as dificuldades para demonstrar afeto, o medo da morte, a ganância e o apreço pelo dinheiro e pelo poder. Sem dúvida alguma, essa característica comum corresponde à deixa do Dogma 95 a essa geração de cineastas dos últimos 10 anos. Quanto à forma, muitos aspectos são compartilhados por alguns cineastas que foram citados aqui: Lars Von Trier, Thomas Vinterberg, Stina Werenfels, a própria Susanne Bier e outros vários diretores aficionados a temas intimistas e com uma forma técnica de realizar que privilegia contar a história em vez de mostrar efeitos especiais e recursos tecnológicos.

No filme de Bier, o olhar do espectador caminha das informações visuais que nos oferece uma Bombaim viva e cheia de cores e movimentos, caótica e pululante, para um cenário estático, ordenado, asséptico e frio, ambientado em uma Copenhague que poderia ser considerada a antítese de qualquer cidade indiana. Nessa transposição espacial, se constrói o retorno ao passado de Jacob (Mads Mikkelsen), que encontrará nessa viagem à sua terra natal a chance de reconstruir sua vida pessoal.

Na India, tinha seu trabalho, mas não uma família. A única pessoa que poderia ser considerada como um parente era o pequeno Pramod, um garotinho indiano de quem Jacob se havia feito cargo desde muito pequeno. Ainda assim, Pramod não aceita acompanhá-lo a Copenhague, onde tem que viver para conseguir a verba que manterá aberto o orfanato. Em Copenhague, descobre que não está sozinho no mundo, que tem uma descendência: a jovem Anna; ele mesmo deixa de ser órfão ao deixar Bombaim: renasce como outra pessoa ao ir em busca de apoio material para os meninos do orfanato, ganha uma família ao aceitar a oferta de Jorgen para viver na Dinamarca.

Esse movimento de ir em busca de algo é o que fica de mais forte do filme. Ao realizar o movimento Bombaim/Copenhague, Jacob também realiza um movimento temporal: atravessa vinte anos de sua vida emocional que estavam perdidos/ou esquecidos entre a densa matéria metafísica e concreta que separa as duas cidades, os dois universos semióticos de Índia e Dinamarca. Vai em busca de um dinheiro que o conecta a emoções, histórias, sentimentos e existências, os quais ele desconhecia ou havia perdido.

Na ordenada Copenhague, nasce o pai biológico. E sua tarefa como pai adotivo permanece ativa com a morte de Jorgen, quando ele passa também a apoiar e cuidar os gêmeos Martin e Morten, e assume também o papel de pai de Anna. Reencontra, em meio às perdas inevitáveis, a mulher que perdera há vinte anos, num movimento que envolve o inevitável perder para reencontrar: Helene volta à sua vida em outro cenário, como parte da reconstrução do que havia ficado para trás.

Depois do casamento é um filme bem escrito e bem realizado, que emociona pela sensibilidade ao tratar vida, morte, reencontros, descobertas, afeto, traição, solidariedade, todos os temas clássicos que constroem um bom roteiro. Ele mostra que algumas perdas são inevitáveis no caminho que nos leva a encontrarmos a nós mesmos.

Publicado originalmente em  28 de agosto de 2007. In: http://torredecapimlilas.blogspot.com.br/2007/08/despus-de-la-boda.html. 

Após o tremor



Primeira coisa: é preciso considerar que a intertextualidade está em todas as partes. Falo isso porque o filme que vi no INDIE hoje me fez pensar muito em "Festa de família", de Lars Von Trier e Thomas Vinterberg. Chama-se "Após o tremor" (Nachbeben, 2006), e é um filme suiço, dirigido por Stina Werenfels. Preciso descobrir se essa diretora faz parte ou se interessa pela linguagem do Dogma '95. Provavelmente, sim.

Uma reunião informal para receber o chefe, coloca o banqueiro HP em apuros. No auge da festa, as verdades que estavam sob o tapete vêm à tona. A dinâmica é muito parecida com a de "Festa de família". Um personagem que esbanja auto-confiança e um certo ar arrogante esconde um homem cujos negócios fracassaram, e sua única saída é vender a própria casa. Uma linda casa à beira de um lago. O filme vai dissecando a vida dos ricos: uso de psicotrópicos, traições, farsas, alcoolismo...

A Suiça antisséptica e rica, e a família possuidora de "móveis de design" e bela fachada escondem pessoas vazias, relações truncadas, solilóquios e solidões. O jovem casal é composto por HP (uma sigla, uma cifra?..) e Karin; ele, viciado em calmantes e outras cositas do gênero; ela, alcóolatra. Têm um filho pré-adolescente, Max, demasiado infantil sob o seu capuz vermelho (impossível não pensar em "Chapeuzinho vermelho"... ) e perverso. Muito perverso! Ele filma toda a reunião na casa de HP e Karin, e se diverte com o desenrolar dos fatos. Vê as dores e os podres de cada um. Escuta atrás das portas, ouve gritos, choros e espia, de camarote, os despojos das máscaras... Max realiza o filme dentro do filme. Pura metalinguagem. É interessante ver como o garoto enxerga os acontecimentos que se desenrolam no jardim. Ele acompanha os passos de cada adulto, e ninguém lhe escapa. Parece dotado de uma onipresença que causa incômodo no espectador. Ele está em todos os lugares, exceto no jardim.

O isolamento do garoto é algo instigante. A babá nunca está com ele, e parece ridículo que se requisite uma babá para um pré-adolescente. Max vê na babá dinamarquesa o seu objeto de desejo, e bisbilhota suas coisas, observa-a na sua "toilete"... Ela, reforçando o perfil de desencontro absoluto dos papéis, mantém com o patrão de HP um caso, o que será o detonador da história.

A fotografia é belíssima. A cena final me arrebatou. A câmera focaliza os rostos de cada um, o olhar de cada personagem também é explorado. Os olhares falam do sofrimento que há dentro de cada um, exaustivamente.

Gostei muito de como Werenfels trabalha a sensualidade em seus personagens. O filme tem uma sensualidade inquietante. Não falo de sexualidade, falo de sensualidade. Há uma exuberância que se estende desde a primeira até a última cena. Homens e mulheres são registrados por um olhar que os registra de modo sensual, os corpos são flagrados em seus movimentos naturais, acordam, caminham pela casa, choram e riem de maneira intensa. A cenografia também revela muita sensualidade: móveis de designers famosos, arquitetura que excita os sentidos, uma construção estética que apela para o olhar e para o tato. São os sentidos convocados na construção que essa cineasta faz do seu filme.

Uma última coisa que eu poderia dizer é que o filme fala de solidões. Todos ali estão sós. A mulher traída, o bebê vigiado pela babá eletrônica na sala, o garoto em seu quarto com seus coelhos e seu videogame, a babá em sua obsessão por Phillip, Karim em seu alcoolismo, HP mergulhado em suas dívidas, o estagiário que deseja estudar Design de Interiores mas estuda Economia. Todos estão sozinhos em seus mundos, e não se encontram. Todos estão reunidos na casa, mas fogem uns dos outros. A babá se tranca no quarto; a esposa de Phillip - ainda que grávida de 5 meses - bebe muito; HP consome psicotrópicos; o estagiário usa cocaína no banheiro; Karim se embriaga desde o começo da festa. Phillip e Max são os únicos que parecem ver tudo: o primeiro porque foge da amante ensandecida; o segundo, porque tem o controle da situação, com sua câmera, acompanhando o vaivém das pessoas pela casa e fora dela.

Gostei muito do filme. Devo voltar depois para mais algum comentário que surja.


Publicado originalmente em 29 de agosto de 2006, in: http://torredecapimlilas.blogspot.com.br/2006/08/aps-o-tremor.html

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Bajo un cielo: o corpo em movimento


O filme “O céu de Suely” me encantou desde a primeira vez que o vi. Enamorei-me pela forma poética com que o diretor Karim Ainouz traduziu a crueza vivida pela personagem Hermila/ Suely.
O cenário social abordado é muito conhecido no nordeste, ou em qualquer lugar onde impere a pobreza e o determinismo social. A personagem Hermila é uma jovem de 21 anos,que apaixonada, aventura-se a ir a outro estado ( São Paulo) em direção ao viver essa paixão. Desse encontro de hormônios, ebulição e fantasias de `príncipe encantado”, ela engravida e volta a cidade natal com os filhos no braço. Ali, frente à realidade da volta, Hermila maltratada por sua condição social e por sua decepção amorosa, decide rifar-se. Ao fazer isso, ela subverte a ordem local, fazendo-se dona de seu destino. E é aí que se instala a beleza e força da obra cinematográfica. O corpo não é lugar de prazer, mas sim de afirmação pessoal. Ainda que a personagem pareça não se sentir a vontade para executar o que propunha em sua rifa: uma noite no paraíso, ela inaugura uma outra ordem em sua condição de mulher, a de sair do lugar esperado por alguém em sua condição social de pobreza.
O que há de digno em sua atitude é o enfrentamento. Enfrentar-se com o seu destino, ir em direção ao desconhecido sem medo é ir em direção à esperança de uma mudança. Ainda que essa mudança possa vir a ser uma repetição de um modo de ser e viver semelhantes às tantas jovens do Brasil, em que a relação pobreza/ filhos/ prostituição é um caminho; o filme deflagra uma outra ordem: aquela de que apesar de , o destino que traça é um “eu”.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Refletindo sobre curtas

PARANGOLÉ
O que podemos falar de um filme que pretende “aspirar” dos olhos, da boca, das ideias de alguém para criar a sua própria estética? Parangolé é um curta atrevido, que propõe, em um estilo bem “caseiro” de filmagem , homenagear Oiticica “roubando” de sua mostra em um museu, a capa denominada Parangolé. Ao fazer isso, o curta dialoga com o passado, recuperando conceitos sobre as artes. Roubar a roupa significa vivificar o museu, é repensar este espaço com um lugar não dos “mortos”; mas sim, daqueles que instigam e que são ressuscitados com a interferência do outro. Interferir, dialogar, cruzar idéias e experimentos, “estourar” imagens, são algumas propostas deste curta contemporâneo.
O CEGO ESTRANGEIRO
Gênero Experimental
Diretor: Marcius Barbieri
Elenco Luis Orione
O que nos deparamos ao “ver” o Cego estrangeiro é que estamos diante de uma experiência acústica ao invés de visual. Tal qual Sherazade, o Cego nos captura e nos arrasta em sua narrativa. Somos impelidos a entrar no mundo das impressões e sensações e passamos a ver como um cego. Estrangeiros de nós mesmos, à nossa condição daqueles que vêem, percebemos através do curta que a realidade ocupa outros sentidos. Apesar de causar um certo estranhamento, somos facilmente enredados na narrativa. “ Ver” o curta é no mínimo interessante, deixa de ser uma aventura da imagem para ser a dos sentidos.
O PRESENTE ( Curta do Filme: Cada um com o seu cinema)
Tudo o que é desconhecido geralmente causa medo, estranhamento e confusão. É assim que nos sentimos diante do curta “O presente”. Usando a metáfora da borboleta, o cineasta nos coloca algumas questões: como eu vejo aquilo que desconheço? Ao apresentar uma cultura que não está alicerçada no mundo imagético, o curta nos faz pensar na origem do Cinema ( nas situações gravadas do “mundo real”) , na introdução da sonoridade no Cinema e no universo das cores. Discutir como espectador o que foi feito, esbarra na noção de realidade ou na dificuldade de aceder a ela; principalmente quando o presente que nos foi dado pode ser de difícil compreensão.
A HISTÓRIA DA ETERNIDADE
Gênero: Ficção
Direção: Camilo Cavalcante
Que História da eternidade nos apresenta Camilo Cavalcante! Eternas são as relações de poder em que a vida e a morte são consumidas como meros acontecimentos do cotidiano. Eu “mato” se estou no controle, e “ como” para não ser engolido. Imagens fortes são mostradas em que o Cordeiro de Deus rende-se à violência da Coca-cola. Capitalismo, submissão, resignação, dor, perda, movimento são evocados e evidenciados nas cenas antropofágicas da realidade. Tudo é frágil, tudo passa, anuncia Florbela Espanca em um trecho do curto; mas, quanta dor! No fim do curta, a espetacularização da vida se torna evidente e o ciclo recomeça, o eterno retorno: a transubstanciação... a carne é metáfora cinematográfica.
CINEMA ERÓTICO ( do filme: Cada um com seu Cinema)
Cinema erótico é um curta interessante. Com um estilo cômico, ele transgride ao nos fazer pensar na relação entre a obra e a recepção. Vemos um casal chocado com as manifestações “eróticas” de um individuo na platéia, diante de uma cena erótica. Que sexo vende não é novidade, que a sociedade ainda o reprime, não é balela de Reich.; o que se põe em discussão nesse curtíssimo é a contextualização da obra e as possibilidades de interpretação de uma obra aberta. Vê-se que o que se aparenta nem sempre é realidade, assim como o cinema é apenas “representação”.

sábado, 2 de abril de 2011

Os amantes crucificados


Tentei desvencilhar-me, mas não consegui. Presa a beleza das imagens, espiava através da janela objetiva da câmera. Tentava entrar, fazer parte da estória, mas algo me impedia e me fazia permanecer no mesmo lugar: contemplar de fora. Essas palavras são depoimentos do que senti ao ver Os amantes crucificados de Mizoguchi.
Não imaginava que um filme de 1954 poderia produzir em mim tal arrebatamento. Não é à toa que muitos cineastas apaixonados como Rivette, Godard, Rommer, ,alçam-no à categoria de gênio. A câmera de Mizoguchi é como um pincel, pinta cenas que só podemos apreciar e indagarmos: como ele conseguiu essa leveza? Como a câmera consegue acompanhar de maneira tão precisa os atores?
Seria impreciso tentar colocar algumas perguntas, já que elas não se esgotam, mas sim, chegam a borbotões quando pensamos no filme. O que vemos é um filme além do seu tempo com discussões que são modernas como o amor, o lugar da mulher, a infidelidade, etc. Em uma estória de amor que se instala a partir de um mal entendido, vemos um cenário repleto de tradições e relações de poder . Deparamo-nos com um Japão medieval em que a mulher fala e se impõe e não somente escuta; um amor além do sacrifício, um grito de libertação.
Além da estória, que é bela, o que o espectador vai poder extasiar-se é com a grandiosidade do pincel-câmera de Mizoguchi. O movimento é preciso, as pinceladas são harmônicas e a viagem de ver o filme é inenarrável.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Segredos de um funeral


Esse filme é um daqueles que poderíamos dizer que seria ótimo se não se contaminasse pela lógica americana de finalizar com uma moral ou pedidos de perdão.
O filme trata sobre um homem que vive enclausurado por 40 anos em sua culpa . Nesse período, ele passa a ser alvo de inúmeras estórias, sendo considerado por muitos um verdadeiro “urtigão”. Um certo dia, ele propõe uma festa para o seu funeral em vida e propõe aos habitantes que contem estórias sobre ele.
Essa é a grande sacada do roteirista, porém ao invés de dar voz aos habitantes da cidade , o filme se perde no melodrama. Os pontos positivos são as atuações e a fotografia. Há uma tentativa de se discutir sobre o que há além da morte, mas fica muito vago e impreciso. Recomendo o filme para se pensar no que despertamos no outro. É um filme razoável que poderia ter sido grande.

sábado, 12 de março de 2011

Filme Socialismo



O Filme Socialismo de Jean-Luc Godard, desde o seu título, já nos coloca em um campo de inúmeras significações. É incontestável a sua homenagem ao Cinema e ao cinema soviético. Vemos não só cenas incluídas de Dziga Vertov e Einsentein, mas também alusões a objetos que estão presentes em alguns de seus filmes, como por exemplo, o navio. E é nesse objeto, que somos convidados a participar de sua fragmentada narrativa fílmica. Se em Vertov e Eisentein o navio era dos trabalhadores, em Godard, as pessoas já mudaram de classe, são os consumidores do entretenimento. Não tão luxuosos como La Nave Va de Fellini, mas sem dúvida, não menos rico em indagações.
A viagem que Godard nos proporciona é repleta de questionamentos: existenciais, históricos e culturais. O além mar é uma redescoberta do lugar em que estamos em um mundo globalizado. Passeamos pelas conquistas históricas. Cidades como Atenas, Nápoles, Barcelona, Palestina e Odessa são lugares representativos de novas civilizações, de guerras, enfim, de transformações. Godard nos coloca imagens poderosas que nos fazem pensar sobre o nosso processo civilizatório, ao mesmo tempo, contrapõe com outras que nos faz repensar a condição de indivíduo: onde estamos em nossa família? A enorme quantidade de imagens familiares nos coloca em outro lugar, em que Édipo está vivo e o sujeito continua ainda por vir.
Outra viagem desencadeada é sobre o fazer Cinema, onde há um claro questionamento sobre a produção de sentido com uma citação de Roman Jokbson que discute a significação entre o som e palavra. A sequência frenética de imagens que Godard nos apresenta a seguir, parece ser um instante de reflexão sobre o que se tem sentido e o que se produz sentido no Cinema. Pensar o fazer Cinema é falar sobre a origem e da função social que o Cinema pode exercer para denunciar a realidade.
Em síntese, Filme Socialismo é um bom dispositivo para repensar o homem e suas humanidades. Percebemos que a história da Humanidade se reflete no hoje em que a idéia de globalização tenta unificar “culturas” e contrário do que se quer o Capitalismo, vê-se que cada lugar tem o seu próprio jeito, as suas idiossincrasias, a sua cultura. Pensar o socialismo é na verdade, repensar o capitalismo. Enfim, o filme de Godard é para quem quer pensar a vida como ela é e “as Coisas como São”.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Cinematerapia

Cinematerapia


"O cinema tirou de mim a tristeza da impossibilidade; me deu a possibilidade de ser."
(Ana Carolina).
Esta frase da diretora brasileira foi extremamente inspiradora na minha visão de terapeuta, que comunga Cinema e Terapia. O Cinema nos possibilita enxergarmos a nós mesmos de muitas maneiras: como criança, adulto, feio, bonito, errado e certo... Através dele vamos conhecendo mundos inimagináveis e percorrer as suas trilhas nos produz um caminhar confiante, em busca do que realmente acreditamos, queremos lutar e conquistar.
O encontro inequívoco das imagens, sons, palavras, temas, movimentos nos remetem a recantos inconscientes que às vezes são impossíveis de adentrar somente pela linguagem falada. Esse meio que nos emociona, despertando os sentimentos, dos mais belos aos mais atrozes, coloca-nos no mundo como indivíduos únicos e responsáveis em dar sentido à própria vida. Ao mesmo tempo, o trabalho em grupo remete-nos ao coletivo: “nós”, participantes e co-autores de uma rede.
Quem busca esse trabalho irá ao encontro de mais um meio de repensar a sua realidade. A Cinematerapia estimula a reflexão, o autoconhecimento, a motivação, facilitando o crescimento pessoal; além disso, possibilita ao indivíduo vivenciar momentos agradáveis com outras pessoas , ao assistir e compartilhar suas visões sobre os filmes.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Contra corrente


Há muitas inquietudes no suicídio. Uma delas é que não sabemos o porquê real do acontecimento e por isso, fantasiamos os porquês. Não sabemos lidar com a morte de todos os tipos, e muito menos, por uma que não entendemos, mas sim interpretamos, buscamos as razões. O certo é que tratar esse tema é por demais penoso, e quando nos deparamos com um filme que aborda esse tema sem medo , temos que reverenciá-lo.
Contra corrente, filme de Peter Callahan, tem como tema principal um homem que quer suicidar-se por não suportar a dor da perda de sua esposa, mas antes de fazê-lo tem como objetivo terminar algo em sua vida: uma travessia de um rio. São muitos quilômetros de uma cidade até Nova York em que ele tem tempo de repensar a sua vida e nós, como espectadores, acompanhamos a sua travessia, tentando imaginariamente fazer com que ele mude de ideia. O que tem de interessante em sua trajetória é que nos coloca frente a muitas questões e uma deles é que respeitar a escolha do outro pode ser um processo doloroso para nós mesmos. Viajamos literalmente contra a corrente. A personagem é a corrente em sua escolha pela morte e nós, imbuídos por nossa vontade de fazer com que o outro permaneça nessa vida, lutamos contra a sua ideia.
Há elementos no filme que são convidativos para uma reflexão sobre a vida. A escolha de um rio que seria o representante da própria vida, a triangulação como substitutos simbólicos dos pais, a passagem do tempo e o desfrute de pequenos prazeres. Na narrativa encontramos todos os elementos que nos apontaria para um filme de superação com final feliz; porém, não é isso o que vemos:, a morte foi anunciada e nós só temos que assisti-la. É triste, é doloroso, é cruel; entretanto, é parecido ao que acontece realmente na cabeça dos suicidas. Quiséramos ser deuses para mudar o que alguém pretende, para dar esperança a quem não tem, para criar um sentido na vida. Apesar da dor, o filme merece ser assistido.

domingo, 3 de outubro de 2010

AS VIÚVAS DAS QUINTAS-FEIRAS

O que pensar de um filme que já por seu título enuncia a viuvez? Aparentemente será um daqueles assassinatos em massa aos quais já estamos acostumados? Ou um tratado sobre as perdas? Ou...ou... Nada disso, o que há nesse filme é o que não esperamos de seu roteiro. Como em um quebra-cabeça, vamos seguindo as peças traçadas por Marcelo Piñeyro, para acompanhar a trama. E o que vemos no final da trama? Claro que não vou contar, mas posso garantir que o diretor nos coloca diante de um impasse entre o Ser e o Ter.
Ambientada em plena crise argentina, a trama nos revela o dia a dia de famílias ricas que vivem em um condomínio. Ao desvelar o cotidiano de cada um, vamos conhecendo o que aconteceu na Argentina na última crise. Bancarrota total. A relação de ganhar e perder, do que é essencial, da aparência e da essência, assim como crítica ácida ao capitalismo da contemporaneidade está presente. Visto de ângulos conflituosos, mas sem a atmosfera de dor dilacerante, o filme nos faz pensar em como ficamos engessados a uma estrutura econômica e que por várias razões, essa forma sobrepõe ao viver feliz. Mais do que uma fórmula moralizante de ir em direção à felicidade, o filme nos estampa as perguntas. Ir ler novamente Marx, pode ser um caminho para encontrar alguma resposta.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Irina Palm - Parte I

A paz em suas mãos


O filme começa. Em uma tomada aérea é como Sam Garbarsky nos apresenta o cenário da nossa história: a câmera se aproxima do subúrbio inglês onde mora nossa Maggie. O nosso olhar se aproxima do mundo provinciano, mexiriqueiro, ensimesmado, doloroso e frágil de Maggie, sua família, seus vizinhos. Somos conduzidos pelas ruas e casas dessa gente, entramos em sua intimidade, descobrimos seus segredos, seus preconceitos, suas mentiras. Todos temos nossos segredos; o de Maggie é: ela vai se tornar Irina Palm. É inverno na Inglaterra. Paisagens cinzentas, como as almas da gente que circula no filme, gente cuja vida está em suspenso, entre a vida e a morte de um pequeno, entre as solidões de pessoas que pertencem à mesma família mas não se tocam, aos que buscam o prazer fugaz e solitário das cabines do Sex World.

Depois que o neto adoece e precisa viajar para realizar um tratamento médico na Austrália, a viúva Maggie começa a buscar empréstimo bancário para ajudar o filho e a nora; vendo todos os pedidos de empréstimo negados, resta-lhe buscar trabalho, o que não é tarefa fácil para uma mulher sem formação acadêmica e na casa dos cinqüenta anos. O único lugar onde lhe oferecem essa oportunidade é um sex club chamado Sex World, nome emblemático para a nova vida que assumirá a nossa heroína.

Detenho-me, por alguns momentos, a apreciar a escolha dos nomes dos personagens. É emblemática, e muito bem-feita, diria até que muito delicada essa escolha. Maggie é diminutivo de Margaret, nome de origem grega que significa pérola. Maggie é, de fato, como uma pérola, protegida em sua concha, "desinteressante" por fora (como a definiria sua vizinha e rival), mas armazenada caprichosamente pelo destino em um lugar de onde será retirada, majestosamente, um dia. Mikki, dono do Sex World e patrão de Maggie, é um nome que vem do hebraico e significa Quem é como Deus?. O nome de Mikki é como um versículo como os dos salmos bíblicos, ou os textos do Velho Testamento: ele é o que controla a vida das pessoas, pois ele é quem oferece o prazer.

Quando Maggie, nossa pérola, adentra a Sex World, o mundo do sexo também se abre para ela. O sexo é a metáfora da vida, quando o que ela busca, efetivamente, é salvar a do neto. O sexo é a saída à morte e é, também, o encontro com o erotismo. Pois sim. Onde há a morte, lá se lhe interpõe Eros, com suas teias semânticas, suas sutilezas, seus caminhos confusos e intensos. E esse encontro com o erotismo não se dá apenas por causa da função assumida por Maggie - ela é uma das mulheres cuja função é masturbar os homens que vão até o sex club, através de um engenho japonês importado por Mikki (sobre estes detalhes, vejam o filme, plis). O erotismo brota quando Mikki a batiza, poeticamente, de Irina Palm. Este nome é maravilhoso: Irina, assim como Maggie, é um nome grego, e significa Paz. Palm, clara alusão à "melhor mão direita de Londres", significa palma (da mão) e é o elogio que o chefe faz aos bons serviços oferecidos ao gênero masculino londrino que freqüenta o sex club.

A pérola se expõe ao mundo através da mão que se abre (e que se fecha - afinal, estamos ainda falando de erotismo). O encontro com o sexo lhe põe por diante o encontro consigo mesma e com sua sexualidade. Maggie se apropria do seu erotismo, e isso a ajuda a enfrentar seus fantasmas: o marido infiel (ainda que já morto), e a parceira de cartas, que havia sido amante do seu marido e a tratava com escárnio e ironia.

Em meio às descobertas que a dança entre a Vida e a Morte lhe impõe, ela descobre a possibilidade do amor: Mikki se encanta por seu jeito e eles começam a aproximar-se um do outro, o homem que a revelou ao mundo e que a batizou tal qual se chamava uma das mulheres que foram importantes em seu passado começa a desejá-la, e a concha se abre para que saia a pérola Maggie, para que todos fiquem em paz: o neto toma o caminho da Austrália, Maggie rompe com a hipocrisia do seu subúrbio e assume outra história ao lado de Mikki, o homem que lhe presenteou com outra existência, o homem que a descobriu em seu casulo cinqüentenário.

É belíssima a história, muito poética, bem construída; tem roteiro enxuto e bem costurado, fotografia bonita. Algumas cenas se colaram ao meu pensamento, vou continuar pensando nelas durante uma semana, pelo menos... Há muitos temas bacanas que o filme me sugere, tais como a desidealização da mãe feita pelo filho Tom, a desconstrução da hipocrisia que há em lugares provincianos, o amor incondicional entre mãe e filho, a tolerância, os encontros entre os seres humanos.

Este é o segundo longa de Sam Garbarski, diretor nascido na Alemanha e radicado na Bélgica. Como o longa anterior de Garbarski, este é uma coprodução entre vários países, o que é uma tendência universal nos últimos anos (os jeitos de fazer cinema se somam e um acrescenta ao outro um pouquinho do seu savoir faire). A nossa protagonista é interpretada majestosamente por Marianne Faithfull, e Mikki é interpretado por Miki Manojlovic, um ator que está na minha listinha de favoritos... ;)

Belíssima história. Dessas que me fazem ter gosto de ser humana para conhecê-las.


Publicado originalmente em http://torredecapimlilas.blogspot.com/2008/04/paz-em-suas-mos.html. Domingo, Abril 06, 2008.