domingo, 3 de outubro de 2010

AS VIÚVAS DAS QUINTAS-FEIRAS

O que pensar de um filme que já por seu título enuncia a viuvez? Aparentemente será um daqueles assassinatos em massa aos quais já estamos acostumados? Ou um tratado sobre as perdas? Ou...ou... Nada disso, o que há nesse filme é o que não esperamos de seu roteiro. Como em um quebra-cabeça, vamos seguindo as peças traçadas por Marcelo Piñeyro, para acompanhar a trama. E o que vemos no final da trama? Claro que não vou contar, mas posso garantir que o diretor nos coloca diante de um impasse entre o Ser e o Ter.
Ambientada em plena crise argentina, a trama nos revela o dia a dia de famílias ricas que vivem em um condomínio. Ao desvelar o cotidiano de cada um, vamos conhecendo o que aconteceu na Argentina na última crise. Bancarrota total. A relação de ganhar e perder, do que é essencial, da aparência e da essência, assim como crítica ácida ao capitalismo da contemporaneidade está presente. Visto de ângulos conflituosos, mas sem a atmosfera de dor dilacerante, o filme nos faz pensar em como ficamos engessados a uma estrutura econômica e que por várias razões, essa forma sobrepõe ao viver feliz. Mais do que uma fórmula moralizante de ir em direção à felicidade, o filme nos estampa as perguntas. Ir ler novamente Marx, pode ser um caminho para encontrar alguma resposta.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Irina Palm - Parte I

A paz em suas mãos


O filme começa. Em uma tomada aérea é como Sam Garbarsky nos apresenta o cenário da nossa história: a câmera se aproxima do subúrbio inglês onde mora nossa Maggie. O nosso olhar se aproxima do mundo provinciano, mexiriqueiro, ensimesmado, doloroso e frágil de Maggie, sua família, seus vizinhos. Somos conduzidos pelas ruas e casas dessa gente, entramos em sua intimidade, descobrimos seus segredos, seus preconceitos, suas mentiras. Todos temos nossos segredos; o de Maggie é: ela vai se tornar Irina Palm. É inverno na Inglaterra. Paisagens cinzentas, como as almas da gente que circula no filme, gente cuja vida está em suspenso, entre a vida e a morte de um pequeno, entre as solidões de pessoas que pertencem à mesma família mas não se tocam, aos que buscam o prazer fugaz e solitário das cabines do Sex World.

Depois que o neto adoece e precisa viajar para realizar um tratamento médico na Austrália, a viúva Maggie começa a buscar empréstimo bancário para ajudar o filho e a nora; vendo todos os pedidos de empréstimo negados, resta-lhe buscar trabalho, o que não é tarefa fácil para uma mulher sem formação acadêmica e na casa dos cinqüenta anos. O único lugar onde lhe oferecem essa oportunidade é um sex club chamado Sex World, nome emblemático para a nova vida que assumirá a nossa heroína.

Detenho-me, por alguns momentos, a apreciar a escolha dos nomes dos personagens. É emblemática, e muito bem-feita, diria até que muito delicada essa escolha. Maggie é diminutivo de Margaret, nome de origem grega que significa pérola. Maggie é, de fato, como uma pérola, protegida em sua concha, "desinteressante" por fora (como a definiria sua vizinha e rival), mas armazenada caprichosamente pelo destino em um lugar de onde será retirada, majestosamente, um dia. Mikki, dono do Sex World e patrão de Maggie, é um nome que vem do hebraico e significa Quem é como Deus?. O nome de Mikki é como um versículo como os dos salmos bíblicos, ou os textos do Velho Testamento: ele é o que controla a vida das pessoas, pois ele é quem oferece o prazer.

Quando Maggie, nossa pérola, adentra a Sex World, o mundo do sexo também se abre para ela. O sexo é a metáfora da vida, quando o que ela busca, efetivamente, é salvar a do neto. O sexo é a saída à morte e é, também, o encontro com o erotismo. Pois sim. Onde há a morte, lá se lhe interpõe Eros, com suas teias semânticas, suas sutilezas, seus caminhos confusos e intensos. E esse encontro com o erotismo não se dá apenas por causa da função assumida por Maggie - ela é uma das mulheres cuja função é masturbar os homens que vão até o sex club, através de um engenho japonês importado por Mikki (sobre estes detalhes, vejam o filme, plis). O erotismo brota quando Mikki a batiza, poeticamente, de Irina Palm. Este nome é maravilhoso: Irina, assim como Maggie, é um nome grego, e significa Paz. Palm, clara alusão à "melhor mão direita de Londres", significa palma (da mão) e é o elogio que o chefe faz aos bons serviços oferecidos ao gênero masculino londrino que freqüenta o sex club.

A pérola se expõe ao mundo através da mão que se abre (e que se fecha - afinal, estamos ainda falando de erotismo). O encontro com o sexo lhe põe por diante o encontro consigo mesma e com sua sexualidade. Maggie se apropria do seu erotismo, e isso a ajuda a enfrentar seus fantasmas: o marido infiel (ainda que já morto), e a parceira de cartas, que havia sido amante do seu marido e a tratava com escárnio e ironia.

Em meio às descobertas que a dança entre a Vida e a Morte lhe impõe, ela descobre a possibilidade do amor: Mikki se encanta por seu jeito e eles começam a aproximar-se um do outro, o homem que a revelou ao mundo e que a batizou tal qual se chamava uma das mulheres que foram importantes em seu passado começa a desejá-la, e a concha se abre para que saia a pérola Maggie, para que todos fiquem em paz: o neto toma o caminho da Austrália, Maggie rompe com a hipocrisia do seu subúrbio e assume outra história ao lado de Mikki, o homem que lhe presenteou com outra existência, o homem que a descobriu em seu casulo cinqüentenário.

É belíssima a história, muito poética, bem construída; tem roteiro enxuto e bem costurado, fotografia bonita. Algumas cenas se colaram ao meu pensamento, vou continuar pensando nelas durante uma semana, pelo menos... Há muitos temas bacanas que o filme me sugere, tais como a desidealização da mãe feita pelo filho Tom, a desconstrução da hipocrisia que há em lugares provincianos, o amor incondicional entre mãe e filho, a tolerância, os encontros entre os seres humanos.

Este é o segundo longa de Sam Garbarski, diretor nascido na Alemanha e radicado na Bélgica. Como o longa anterior de Garbarski, este é uma coprodução entre vários países, o que é uma tendência universal nos últimos anos (os jeitos de fazer cinema se somam e um acrescenta ao outro um pouquinho do seu savoir faire). A nossa protagonista é interpretada majestosamente por Marianne Faithfull, e Mikki é interpretado por Miki Manojlovic, um ator que está na minha listinha de favoritos... ;)

Belíssima história. Dessas que me fazem ter gosto de ser humana para conhecê-las.


Publicado originalmente em http://torredecapimlilas.blogspot.com/2008/04/paz-em-suas-mos.html. Domingo, Abril 06, 2008.