sábado, 23 de fevereiro de 2013

Após o tremor



Primeira coisa: é preciso considerar que a intertextualidade está em todas as partes. Falo isso porque o filme que vi no INDIE hoje me fez pensar muito em "Festa de família", de Lars Von Trier e Thomas Vinterberg. Chama-se "Após o tremor" (Nachbeben, 2006), e é um filme suiço, dirigido por Stina Werenfels. Preciso descobrir se essa diretora faz parte ou se interessa pela linguagem do Dogma '95. Provavelmente, sim.

Uma reunião informal para receber o chefe, coloca o banqueiro HP em apuros. No auge da festa, as verdades que estavam sob o tapete vêm à tona. A dinâmica é muito parecida com a de "Festa de família". Um personagem que esbanja auto-confiança e um certo ar arrogante esconde um homem cujos negócios fracassaram, e sua única saída é vender a própria casa. Uma linda casa à beira de um lago. O filme vai dissecando a vida dos ricos: uso de psicotrópicos, traições, farsas, alcoolismo...

A Suiça antisséptica e rica, e a família possuidora de "móveis de design" e bela fachada escondem pessoas vazias, relações truncadas, solilóquios e solidões. O jovem casal é composto por HP (uma sigla, uma cifra?..) e Karin; ele, viciado em calmantes e outras cositas do gênero; ela, alcóolatra. Têm um filho pré-adolescente, Max, demasiado infantil sob o seu capuz vermelho (impossível não pensar em "Chapeuzinho vermelho"... ) e perverso. Muito perverso! Ele filma toda a reunião na casa de HP e Karin, e se diverte com o desenrolar dos fatos. Vê as dores e os podres de cada um. Escuta atrás das portas, ouve gritos, choros e espia, de camarote, os despojos das máscaras... Max realiza o filme dentro do filme. Pura metalinguagem. É interessante ver como o garoto enxerga os acontecimentos que se desenrolam no jardim. Ele acompanha os passos de cada adulto, e ninguém lhe escapa. Parece dotado de uma onipresença que causa incômodo no espectador. Ele está em todos os lugares, exceto no jardim.

O isolamento do garoto é algo instigante. A babá nunca está com ele, e parece ridículo que se requisite uma babá para um pré-adolescente. Max vê na babá dinamarquesa o seu objeto de desejo, e bisbilhota suas coisas, observa-a na sua "toilete"... Ela, reforçando o perfil de desencontro absoluto dos papéis, mantém com o patrão de HP um caso, o que será o detonador da história.

A fotografia é belíssima. A cena final me arrebatou. A câmera focaliza os rostos de cada um, o olhar de cada personagem também é explorado. Os olhares falam do sofrimento que há dentro de cada um, exaustivamente.

Gostei muito de como Werenfels trabalha a sensualidade em seus personagens. O filme tem uma sensualidade inquietante. Não falo de sexualidade, falo de sensualidade. Há uma exuberância que se estende desde a primeira até a última cena. Homens e mulheres são registrados por um olhar que os registra de modo sensual, os corpos são flagrados em seus movimentos naturais, acordam, caminham pela casa, choram e riem de maneira intensa. A cenografia também revela muita sensualidade: móveis de designers famosos, arquitetura que excita os sentidos, uma construção estética que apela para o olhar e para o tato. São os sentidos convocados na construção que essa cineasta faz do seu filme.

Uma última coisa que eu poderia dizer é que o filme fala de solidões. Todos ali estão sós. A mulher traída, o bebê vigiado pela babá eletrônica na sala, o garoto em seu quarto com seus coelhos e seu videogame, a babá em sua obsessão por Phillip, Karim em seu alcoolismo, HP mergulhado em suas dívidas, o estagiário que deseja estudar Design de Interiores mas estuda Economia. Todos estão sozinhos em seus mundos, e não se encontram. Todos estão reunidos na casa, mas fogem uns dos outros. A babá se tranca no quarto; a esposa de Phillip - ainda que grávida de 5 meses - bebe muito; HP consome psicotrópicos; o estagiário usa cocaína no banheiro; Karim se embriaga desde o começo da festa. Phillip e Max são os únicos que parecem ver tudo: o primeiro porque foge da amante ensandecida; o segundo, porque tem o controle da situação, com sua câmera, acompanhando o vaivém das pessoas pela casa e fora dela.

Gostei muito do filme. Devo voltar depois para mais algum comentário que surja.


Publicado originalmente em 29 de agosto de 2006, in: http://torredecapimlilas.blogspot.com.br/2006/08/aps-o-tremor.html

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