domingo, 27 de setembro de 2020

Arnaud fait son 2ème film

                                                    


 

Com o título, no Brasil, de "Amor, Paris, Cinema", o diretor Arnaud Viard nos traz uma delícia de longa-metragem em que ele mesmo protagoniza uma história metalinguística: um diretor tenta escrever e dirigir o seu segundo longa. A história é leve e divertida, mas também conta com as pegadas melancólica, crítica, psicanalítica e poética do bom cinema francês. Ao lado de uma lindíssima Irène Jacob, Viard nos conta uma história criativa e que poderia ser vivida por qualquer ser humano que está perseguindo um sonho, como eu ou você.  

Arnaud é um homem de 45 anos que escreve roteiros, atua e dirige. Como ele mesmo se apresenta, "é diretor e ator". Atua para sobreviver, mas sua grande paixão é dirigir. Começa sua narrativa contando do bloqueio que teve ao realizar seu primeiro filme, em 2004. Se vamos assistir a uma história autobiográfica, não poderemos afirmar. Mas a criatividade artística e a potência sexual são dois motes para o deslanchar do nosso filme.

Arnaud tem dois sonhos: ter um filho e fazer o seu segundo filme. Como casal de meia idade, Chloe e Arnaud já têm alguma dificuldade para engravidar, o que termina por angustiá-los. Então começa a metanoia de Arnaud: separa-se de Chloe, começa a dar aulas num workshop de cinema, conhece Gabrielle, uma mulher muito mais jovem que ele. A tentativa de reconstruir a vida, de encontrar alguma vitalidade em meio aos desencontros - não havia conseguido que o produtor aceitasse o seu roteiro; não havia conseguido ter um filho com a mulher que amava -, o levam a se reinventar em meio à destruição dos sonhos. Sente-se feliz com a jovem Gabrielle, gosta das aulas e dos alunos, diverte-se bebendo da juventude que o rodeia. Mas sentimos que nem tudo está ali.

                                      Louise Coldefy e Arnaud Viard, em cena de Arnaud fait son 2ème film
 

As idas às sessões com o psicanlaista e as visitas à mãe hospitalizada começam a descortinar o íntimo de Arnaud. Nas cenas em que vai no trem - momento da espera, momento de instrospecção -, a ideia de perder a mãe e a busca pelo lugar de pai vão se somando no retrato que o filme constrói de nosso protagonista. Há cenas lindíssimas, como o diálogo tecido com a mãe, no trem que o leva de volta a Paris, depois de visitá-la no hospital. O diálogo é parte da despedida, antecipação do que está por vir. A mãe está em estágio terminal, sente dores, mas não quer dar trabalho aos filhos. Igualmente me encantou a cena da festa dada pelos alunos, em que Arnaud dança alegremente enquanto a música alegre é substituída pelo "Requiem in Paradisum", de Gabriel Fauré, e, lindamente, migramos do êxtase da festa para o êxtase da morte, momentos em que o sagrado toca os corpos humanos, momentos sublimes em que o amor ágape e a morte encontram morada. Arnaud recebe o telefonema que traz a notícia da morte da mãe, despede-se de Gabrielle, sai da festa e vai ao encontro de Chloe. Eros guia nossos amantes, nada mais erótico e íntimo que amar-se diante da morte da mãe. Arnaud pergunta-se e pergunta a Chloe por que eles não deram certo. Diante da perda da mãe, ele busca o consolo nos braços amorosos de Chloe, e, magicamente, nesse momento, concebem um filho. Fim e começo se enlaçam, um símbolo de que a vida é cíclica e infinita.

Irène Jacob, em cena de "Arnaud fait son 2ème film" (2015)

Arnaud finalmente consegue um produtor para o seu segundo filme e, justamente quando realiza esse sonho, Chloe o procura revelando que ele é pai, que ela está indo parir. A metáfora do nascimento, que tantas vezes é usada na arte, associa-se na concepção de uma obra e de um filho. Dois projetos que já se davam por fracassados, que haviam sido abandonados por Arnaud. Chamado pelo telefone, é convocado a assumir a realização do seu segundo filme e também o nascimento do seu filho. Sonhos que talvez já fossem inesperados. Sonhos que ele talvez já estivesse disposto a esquecer. Mas a Vida às vezes é assim, não é mesmo? Às vezes os sonhos correm atrás da gente. 💓


Irène Jacob foi um lindo reencontro, para mim. Meu primeiro momento com a senhorita Jacob foi nos clássicos "A Dupla Vida de Veronike" e "Rouge", ambos de Kieslowski. Reencontro-a madura, igualmente bela, com a mesma força da juventude. Arnaud Viard foi uma grata surpresa, já quero ver "Clara et moi", o seu primeiro filme. É muito bom ver diretores que entram na pele de seus protagonistas, como o fizeram Woody Allen, Nanni Moretti, entre outros. Inclusive, é muito boa a crítica escrita por Rodrigo Torres sobre "Amor, Cinema, Paris". Ele afirma que  o formato de "Arnaud fait son 2ème film" estaria baseado em "Caro Diario", do diretor italiano. "Caro Diario" é um filme de que gosto muito (amo as idas pelas ruas de Roma montado em uma vespa, eu me senti e me sentei na garupa de Moretti...), foi meu primeiro encontro com Moretti, no comecinho dos anos 2000, seguido pelo belíssimo "O Quarto do Filho" (chorei baldes...), ambos imperdíveis. 


Publicado no blog Torre de Capim Lilás: http://torredecapimlilas.blogspot.com/2020/09/arnaud-fait-son-2eme-film.html. 

Nenhum comentário: