quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Bajo un cielo: o corpo em movimento


O filme “O céu de Suely” me encantou desde a primeira vez que o vi. Enamorei-me pela forma poética com que o diretor Karim Ainouz traduziu a crueza vivida pela personagem Hermila/ Suely.
O cenário social abordado é muito conhecido no nordeste, ou em qualquer lugar onde impere a pobreza e o determinismo social. A personagem Hermila é uma jovem de 21 anos,que apaixonada, aventura-se a ir a outro estado ( São Paulo) em direção ao viver essa paixão. Desse encontro de hormônios, ebulição e fantasias de `príncipe encantado”, ela engravida e volta a cidade natal com os filhos no braço. Ali, frente à realidade da volta, Hermila maltratada por sua condição social e por sua decepção amorosa, decide rifar-se. Ao fazer isso, ela subverte a ordem local, fazendo-se dona de seu destino. E é aí que se instala a beleza e força da obra cinematográfica. O corpo não é lugar de prazer, mas sim de afirmação pessoal. Ainda que a personagem pareça não se sentir a vontade para executar o que propunha em sua rifa: uma noite no paraíso, ela inaugura uma outra ordem em sua condição de mulher, a de sair do lugar esperado por alguém em sua condição social de pobreza.
O que há de digno em sua atitude é o enfrentamento. Enfrentar-se com o seu destino, ir em direção ao desconhecido sem medo é ir em direção à esperança de uma mudança. Ainda que essa mudança possa vir a ser uma repetição de um modo de ser e viver semelhantes às tantas jovens do Brasil, em que a relação pobreza/ filhos/ prostituição é um caminho; o filme deflagra uma outra ordem: aquela de que apesar de , o destino que traça é um “eu”.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Refletindo sobre curtas

PARANGOLÉ
O que podemos falar de um filme que pretende “aspirar” dos olhos, da boca, das ideias de alguém para criar a sua própria estética? Parangolé é um curta atrevido, que propõe, em um estilo bem “caseiro” de filmagem , homenagear Oiticica “roubando” de sua mostra em um museu, a capa denominada Parangolé. Ao fazer isso, o curta dialoga com o passado, recuperando conceitos sobre as artes. Roubar a roupa significa vivificar o museu, é repensar este espaço com um lugar não dos “mortos”; mas sim, daqueles que instigam e que são ressuscitados com a interferência do outro. Interferir, dialogar, cruzar idéias e experimentos, “estourar” imagens, são algumas propostas deste curta contemporâneo.
O CEGO ESTRANGEIRO
Gênero Experimental
Diretor: Marcius Barbieri
Elenco Luis Orione
O que nos deparamos ao “ver” o Cego estrangeiro é que estamos diante de uma experiência acústica ao invés de visual. Tal qual Sherazade, o Cego nos captura e nos arrasta em sua narrativa. Somos impelidos a entrar no mundo das impressões e sensações e passamos a ver como um cego. Estrangeiros de nós mesmos, à nossa condição daqueles que vêem, percebemos através do curta que a realidade ocupa outros sentidos. Apesar de causar um certo estranhamento, somos facilmente enredados na narrativa. “ Ver” o curta é no mínimo interessante, deixa de ser uma aventura da imagem para ser a dos sentidos.
O PRESENTE ( Curta do Filme: Cada um com o seu cinema)
Tudo o que é desconhecido geralmente causa medo, estranhamento e confusão. É assim que nos sentimos diante do curta “O presente”. Usando a metáfora da borboleta, o cineasta nos coloca algumas questões: como eu vejo aquilo que desconheço? Ao apresentar uma cultura que não está alicerçada no mundo imagético, o curta nos faz pensar na origem do Cinema ( nas situações gravadas do “mundo real”) , na introdução da sonoridade no Cinema e no universo das cores. Discutir como espectador o que foi feito, esbarra na noção de realidade ou na dificuldade de aceder a ela; principalmente quando o presente que nos foi dado pode ser de difícil compreensão.
A HISTÓRIA DA ETERNIDADE
Gênero: Ficção
Direção: Camilo Cavalcante
Que História da eternidade nos apresenta Camilo Cavalcante! Eternas são as relações de poder em que a vida e a morte são consumidas como meros acontecimentos do cotidiano. Eu “mato” se estou no controle, e “ como” para não ser engolido. Imagens fortes são mostradas em que o Cordeiro de Deus rende-se à violência da Coca-cola. Capitalismo, submissão, resignação, dor, perda, movimento são evocados e evidenciados nas cenas antropofágicas da realidade. Tudo é frágil, tudo passa, anuncia Florbela Espanca em um trecho do curto; mas, quanta dor! No fim do curta, a espetacularização da vida se torna evidente e o ciclo recomeça, o eterno retorno: a transubstanciação... a carne é metáfora cinematográfica.
CINEMA ERÓTICO ( do filme: Cada um com seu Cinema)
Cinema erótico é um curta interessante. Com um estilo cômico, ele transgride ao nos fazer pensar na relação entre a obra e a recepção. Vemos um casal chocado com as manifestações “eróticas” de um individuo na platéia, diante de uma cena erótica. Que sexo vende não é novidade, que a sociedade ainda o reprime, não é balela de Reich.; o que se põe em discussão nesse curtíssimo é a contextualização da obra e as possibilidades de interpretação de uma obra aberta. Vê-se que o que se aparenta nem sempre é realidade, assim como o cinema é apenas “representação”.

sábado, 2 de abril de 2011

Os amantes crucificados


Tentei desvencilhar-me, mas não consegui. Presa a beleza das imagens, espiava através da janela objetiva da câmera. Tentava entrar, fazer parte da estória, mas algo me impedia e me fazia permanecer no mesmo lugar: contemplar de fora. Essas palavras são depoimentos do que senti ao ver Os amantes crucificados de Mizoguchi.
Não imaginava que um filme de 1954 poderia produzir em mim tal arrebatamento. Não é à toa que muitos cineastas apaixonados como Rivette, Godard, Rommer, ,alçam-no à categoria de gênio. A câmera de Mizoguchi é como um pincel, pinta cenas que só podemos apreciar e indagarmos: como ele conseguiu essa leveza? Como a câmera consegue acompanhar de maneira tão precisa os atores?
Seria impreciso tentar colocar algumas perguntas, já que elas não se esgotam, mas sim, chegam a borbotões quando pensamos no filme. O que vemos é um filme além do seu tempo com discussões que são modernas como o amor, o lugar da mulher, a infidelidade, etc. Em uma estória de amor que se instala a partir de um mal entendido, vemos um cenário repleto de tradições e relações de poder . Deparamo-nos com um Japão medieval em que a mulher fala e se impõe e não somente escuta; um amor além do sacrifício, um grito de libertação.
Além da estória, que é bela, o que o espectador vai poder extasiar-se é com a grandiosidade do pincel-câmera de Mizoguchi. O movimento é preciso, as pinceladas são harmônicas e a viagem de ver o filme é inenarrável.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Segredos de um funeral


Esse filme é um daqueles que poderíamos dizer que seria ótimo se não se contaminasse pela lógica americana de finalizar com uma moral ou pedidos de perdão.
O filme trata sobre um homem que vive enclausurado por 40 anos em sua culpa . Nesse período, ele passa a ser alvo de inúmeras estórias, sendo considerado por muitos um verdadeiro “urtigão”. Um certo dia, ele propõe uma festa para o seu funeral em vida e propõe aos habitantes que contem estórias sobre ele.
Essa é a grande sacada do roteirista, porém ao invés de dar voz aos habitantes da cidade , o filme se perde no melodrama. Os pontos positivos são as atuações e a fotografia. Há uma tentativa de se discutir sobre o que há além da morte, mas fica muito vago e impreciso. Recomendo o filme para se pensar no que despertamos no outro. É um filme razoável que poderia ter sido grande.

sábado, 12 de março de 2011

Filme Socialismo



O Filme Socialismo de Jean-Luc Godard, desde o seu título, já nos coloca em um campo de inúmeras significações. É incontestável a sua homenagem ao Cinema e ao cinema soviético. Vemos não só cenas incluídas de Dziga Vertov e Einsentein, mas também alusões a objetos que estão presentes em alguns de seus filmes, como por exemplo, o navio. E é nesse objeto, que somos convidados a participar de sua fragmentada narrativa fílmica. Se em Vertov e Eisentein o navio era dos trabalhadores, em Godard, as pessoas já mudaram de classe, são os consumidores do entretenimento. Não tão luxuosos como La Nave Va de Fellini, mas sem dúvida, não menos rico em indagações.
A viagem que Godard nos proporciona é repleta de questionamentos: existenciais, históricos e culturais. O além mar é uma redescoberta do lugar em que estamos em um mundo globalizado. Passeamos pelas conquistas históricas. Cidades como Atenas, Nápoles, Barcelona, Palestina e Odessa são lugares representativos de novas civilizações, de guerras, enfim, de transformações. Godard nos coloca imagens poderosas que nos fazem pensar sobre o nosso processo civilizatório, ao mesmo tempo, contrapõe com outras que nos faz repensar a condição de indivíduo: onde estamos em nossa família? A enorme quantidade de imagens familiares nos coloca em outro lugar, em que Édipo está vivo e o sujeito continua ainda por vir.
Outra viagem desencadeada é sobre o fazer Cinema, onde há um claro questionamento sobre a produção de sentido com uma citação de Roman Jokbson que discute a significação entre o som e palavra. A sequência frenética de imagens que Godard nos apresenta a seguir, parece ser um instante de reflexão sobre o que se tem sentido e o que se produz sentido no Cinema. Pensar o fazer Cinema é falar sobre a origem e da função social que o Cinema pode exercer para denunciar a realidade.
Em síntese, Filme Socialismo é um bom dispositivo para repensar o homem e suas humanidades. Percebemos que a história da Humanidade se reflete no hoje em que a idéia de globalização tenta unificar “culturas” e contrário do que se quer o Capitalismo, vê-se que cada lugar tem o seu próprio jeito, as suas idiossincrasias, a sua cultura. Pensar o socialismo é na verdade, repensar o capitalismo. Enfim, o filme de Godard é para quem quer pensar a vida como ela é e “as Coisas como São”.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Cinematerapia

Cinematerapia


"O cinema tirou de mim a tristeza da impossibilidade; me deu a possibilidade de ser."
(Ana Carolina).
Esta frase da diretora brasileira foi extremamente inspiradora na minha visão de terapeuta, que comunga Cinema e Terapia. O Cinema nos possibilita enxergarmos a nós mesmos de muitas maneiras: como criança, adulto, feio, bonito, errado e certo... Através dele vamos conhecendo mundos inimagináveis e percorrer as suas trilhas nos produz um caminhar confiante, em busca do que realmente acreditamos, queremos lutar e conquistar.
O encontro inequívoco das imagens, sons, palavras, temas, movimentos nos remetem a recantos inconscientes que às vezes são impossíveis de adentrar somente pela linguagem falada. Esse meio que nos emociona, despertando os sentimentos, dos mais belos aos mais atrozes, coloca-nos no mundo como indivíduos únicos e responsáveis em dar sentido à própria vida. Ao mesmo tempo, o trabalho em grupo remete-nos ao coletivo: “nós”, participantes e co-autores de uma rede.
Quem busca esse trabalho irá ao encontro de mais um meio de repensar a sua realidade. A Cinematerapia estimula a reflexão, o autoconhecimento, a motivação, facilitando o crescimento pessoal; além disso, possibilita ao indivíduo vivenciar momentos agradáveis com outras pessoas , ao assistir e compartilhar suas visões sobre os filmes.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Contra corrente


Há muitas inquietudes no suicídio. Uma delas é que não sabemos o porquê real do acontecimento e por isso, fantasiamos os porquês. Não sabemos lidar com a morte de todos os tipos, e muito menos, por uma que não entendemos, mas sim interpretamos, buscamos as razões. O certo é que tratar esse tema é por demais penoso, e quando nos deparamos com um filme que aborda esse tema sem medo , temos que reverenciá-lo.
Contra corrente, filme de Peter Callahan, tem como tema principal um homem que quer suicidar-se por não suportar a dor da perda de sua esposa, mas antes de fazê-lo tem como objetivo terminar algo em sua vida: uma travessia de um rio. São muitos quilômetros de uma cidade até Nova York em que ele tem tempo de repensar a sua vida e nós, como espectadores, acompanhamos a sua travessia, tentando imaginariamente fazer com que ele mude de ideia. O que tem de interessante em sua trajetória é que nos coloca frente a muitas questões e uma deles é que respeitar a escolha do outro pode ser um processo doloroso para nós mesmos. Viajamos literalmente contra a corrente. A personagem é a corrente em sua escolha pela morte e nós, imbuídos por nossa vontade de fazer com que o outro permaneça nessa vida, lutamos contra a sua ideia.
Há elementos no filme que são convidativos para uma reflexão sobre a vida. A escolha de um rio que seria o representante da própria vida, a triangulação como substitutos simbólicos dos pais, a passagem do tempo e o desfrute de pequenos prazeres. Na narrativa encontramos todos os elementos que nos apontaria para um filme de superação com final feliz; porém, não é isso o que vemos:, a morte foi anunciada e nós só temos que assisti-la. É triste, é doloroso, é cruel; entretanto, é parecido ao que acontece realmente na cabeça dos suicidas. Quiséramos ser deuses para mudar o que alguém pretende, para dar esperança a quem não tem, para criar um sentido na vida. Apesar da dor, o filme merece ser assistido.